100 dias depois…

Nem sei muito bem por onde começar a contar esta história, agora que está a chegar ao fim! Muito já se ouviu e já se leu sobre os efeitos desta nova pandemia na vida das pessoas mas o que eu quero contar é um pouco da minha experiência pessoal. Não pretendo de todo relativizar as consequências dramáticas que todos ouvimos nas noticias e que infelizmente alguns de nós sentiram na pele ou assistiram de perto. 

A nossa história começou a 13 de março e termina hoje, exatamente100 dias depois (um número certo, que embora tenha sido por mero acaso não deixa de ser digno de reparo). Treze de Março foi o dia em que tomámos a decisão familiar de que os miúdos não iriam mais à escola até percebermos o que é que se estava a passar. Podíamos até ter tomado essa decisão uns dias antes mas como tentamos sempre desdramatizar as situações, só quando começámos a sentir o peso da irresponsabilidade parental que podíamos estar a cometer e das suas eventuais consequências é que decidimos agir. Neste mesmo dia é anunciado na comunicação social o encerramento, daí a 3 dias, de todas as escolas do país no seguimento da pandemia provocada pelo novo coronavírus. E foi desta forma que demos início a uma forma diferente de vida familiar.

Com 2 filhos passei, literalmente de um dia para o outro, a ser mãe a tempo inteiro. Bolas, e que difíceis que foram as primeiras semanas…Não estive em teletrabalho, não tive prazos para cumprir, não recebi telefonemas urgentes, não tive que me trancar na casa de banho para responder a emails, não tive que subornar os míudos com quilos de chocolates e batatas fritas para se manterem sossegados, nem tive que trabalhar de madrugada enquanto eles dormiam e o computador estava disponível; e por isso mesmo parabenizo todos aqueles que o conseguiram fazer sem perderem grande parte da sua sanidade mental. Mas foi difícil na mesma, apenas porque eu não estava habituada a ser mãe desta forma. Não conseguia desligar do trabalho e dos colegas que tinha deixado para trás no hospital. Acompanhava as notícias na televisão de forma quase doentia e mesmo sem querer passava para os míudos a ansiedade que sentia. Durante as primeiras semanas canalizei todo o meu stress na limpeza da casa e “mariekondei” todas as divisões da casa. 

Mas com o passar das semanas fomo-nos habituando uns aos outros. Os miúdos ao acordar deixaram de chamar pela avó e começaram a chamar pela mãe, passaram da briga constante à brincadeira conjunta e eu comecei a aceitar que a minha “avaliação de desempenho” passaria pela capacidade de gerir a minha vida familiar. Contornar birras, contar histórias, dar mimo, assitir em loop ao mesmo filme de animação infantil, ajudar nos trabalhos de casa, cozinhar, fazer bolos e até pão, foram algumas das coisas que passaram a fazer parte do meu dia a dia. Reconheço que pode até ser ridículo para alguns pais e mães lerem isto por o terem como adquirido mas esta não era de longe a nossa realidade. Nem sempre correu da forma mais serena mas ainda assim o saldo é positivo.

 

Eu acho que se os meus filhos pudessem escrever uma carta à “Covid19” seria mais ou menos assim: 

“Sra. D. Covid queremos agradecer-lhe o facto de nos ter proporcionado uma mãe a tempo inteiro. Foi muito bom pudermos adormecer sabendo que a nossa mãe estaria ali quando acordássemos. Sabia que o meu irmão até passou a dormir melhor e já não acorda durante a noite? Mesmo quase sem sairmos de casa durante todos estes dias foi divertido porque fizemos muitas coisas diferentes. Deixámos de contar os dias que faltavam para o fim-de-semana, acampámos várias vezes no nosso quintal com a nossa caravana, pudemos usar tintas e plasticinas dentro de casa e a mãe até conseguia contar histórias sem bocejar a cada frase nem adormecer a meio do livro. E mesmo quando o papá chegava a casa do trabalho não tínhamos que nos despachar à pressa como quando tínhamos que ir para as atividades. Às vezes quando o pai chegava íamos todos andar de bicicleta ou ficávamos só a brincar. Foi muito bom! Percebemos pelas conversas dos meus pais, e porque agora temos que andar sempre de máscara quando saímos, que não deves ser boa rés Sra D. Covid mas para nós que somos apenas crianças, e até à data, não passa de uma doença provocada por um bicharoco invisível que chegou para acalmar as nossas vidas. Não fique chateada mas agora já chega. Temos saudades da escola de verdade, de brincar com os nossos amigos e de dar beijinhos a sério aos avós e por isso gostávamos que fosse embora e de preferência sem passar perto das casas dos nossos avós.

Cumprimentos dos manos,

Marta e Duarte.”

Pois é, a perspectiva das crianças é sempre muito diferente da nossa e ainda bem. Amanhã começo a trabalhar novamente e com isso regressam muitas das rotinas anteriores. Vamos ver o que o futuro tem reservado para nós mas estou certa de que estes 100 dias (ou 2400 horas que quisermos analisar de uma outra perspectiva) serviram para alguma coisa. Dizem que pode existir uma nova vaga da doença depois do verão e que as escolas podem não abrir em setembro mas estou confiante que vamos todos ser adultos responsáveis e vamos contrariar essas suposições. Se pudesse voltar atrás no tempo é claro que apagava o capítulo da Covid19 da vida de todos pelas consequências terríveis que se fizeram sentir em diversas áreas e acima de tudo pelas mortes que causou e infelizmente ainda irá causar. 

Este foi apenas um testemunho que quis deixar e diz respeito exclusivamente à forma como este período de confinamento alterou as nossas vidas. Vale o que vale, uma história para guardar na gaveta, uma carta na manga, para ler e reler cada vez que sentir que estou novamente a pisar a linha, a pesar mais para um dos lados da balança achando (erroneamente, agora sei) que ela se consegue equilibrar sozinha.

Published by Joana Batista

so many books and so little time...

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